quarta-feira, maio 24, 2006

Guia para Fugir do Marasmo 02

Segunda parada: Sexus- Henry Miller

Em primeiro lugar, o óbvio: Henry Miller É um canalha.
Um canalha no melhor sentido da palavra, que fique bem claro.
Lendo seus livros não é preciso um esforço de imaginação lá muito grande para perceber o porquê dele ter sido repudiado como o diabo nos circuitos literários da década de 30, Miller é um dos poucos autores que escreveram com um despojamento e uma franqueza brutal, detalhando todos os pormenores sujos que a sociedade da época tentava esconder.
Ávido por sexo, picareta por natureza, aproveitador da boa-fé alheia, extasiando-se com carne e palavras, dono de uma alma, Henry Miller viveu, viveu com “V” maiúsculo. Existiu, viveu profundamente cada passo da sua existência, da sua rotina mundana, e em cada passo desse processo, nos lembra que ainda estamos vivos.
Que ainda nos movemos.
Sentimos.
Existimos.
Henry Miller É um canalha. Um canalha da maior espécie. Aquele tipo de canalha franco e sorridente, que nos agride com palavras e torna impossível não nos enxergamos nele, quando nos despimos de todas as imagens preconcebidas que fazemos a nosso próprio respeito.

Trecho Antológico:
“ A melhor coisa que há em escrever não é o labor em si de colocar palavra contra palavra, tijolo sobre tijolo, mas as preliminares, o duro trabalho inicial, que se faz em silêncio, debaixo de quaisquer circunstâncias, em sonho assim como acordado. Em suma, o período de gestação. Homem nenhum jamais consegue escrever o que tencionava dizer: a criação original, que está acontecendo o tempo todo, quer a gente escreva ou não escreva, pertence ao fluxo primário: não tem dimensões, forma, ou elemento de tempo. Nesse estado preliminar, que é a criação e não o nascimento, o que desaparece não sofre destruição, algo que já estava ali, algo imperecível como a memória, ou a matéria, ou Deus, é convocado, e a esse algo nos atiramos como um galho numa torrente. Palavras, sentenças, idéias, não importa quão sutis ou engenhosas, os vôos mais loucos da poesia, os sonhos mais profundos, as visões mais alucinantes, nada mais são do que hieróglifos toscos cinzelados em dor e tristeza para comemorar um evento que é intransmissível. Num mundo inteligentemente ordenado não haveria necessidade de fazer a tentativa irracional de registrar tais acontecimentos miraculosos. Na verdade, isso não teria sentido, pois se os homens apenas parassem para refletir, quem se contentaria com a falsificação quando o autêntico está a disposição e ao alcance de todos? Que homem desejaria ligar o rádio e ouvir Beethoven, por exemplo, quando poderia ele mesmo experimentar as harmonias arrebatadoras que Beethoven lutou tão desesperadamente para registrar? Uma grande obra de arte, quando chega a realizar alguma coisa, serve para nos lembrar ou, digamos melhor, para nos pôr a sonhar com tudo aquilo que é fluido e intangível. Vale dizer, o universo. Não pode ser entendida: só pode ser aceita ou rejeitada. Caso aceita, ficamos revitalizados, se for rejeitada, isso nos diminuirá. O que quer que pretenda ser, não o será: é sempre algo mais, a respeito do que nunca se dirá a última palavra. Ela é tudo o que nela colocamos devido à fome daquilo que nos negamos cada dia de nossas vidas. Se nos aceitássemos tão completamente assim, a obra de arte, na verdade o mundo todo da arte, morreria de subnutrição. Todo mortal como nós se movimenta sem os pés pelo menos algumas horas por dia, quando os olhos se fecham e o corpo fica de bruços. A arte de sonhar completamente desperto estará à alçada de todo homem um dia. Muito antes disso os livros terão deixado de existir, pois, quando os homens estiverem inteiramente acordados e sonhando, seus poderes de comunicação (uns com os outros e com o espírito que anima todos os homens) serão tão realçados que farão o ato de escrever parecer-se com os grunhidos ásperos e roucos de um idiota.”

Fábio Ochôa

2 Comments:

Blogger Eduardo Hoewell said...

Novamente outra proposta de leitura bem interessante.

Anota aí na lista de emprestimos...

11:21 AM  
Blogger Bruno "Jesus" said...

"A arte de sonhar completamente desperto estará à alçada de todo homem um dia"

Bah, fantástico isso... nunca imaginei que isso sairia da pena de um canalha como o Henry Miller...

---
Tchê, uma coisa besta acerca do HM:
Na biblioteca do meu colégio de 1º grau tinha uma prateleira que era conhecida como "a prateleira dos livros chatos".. livros de adulto e etc...

MAS... um belo dia, algum de nós descobriu o livro "Trópico de Câncer", do Miller... cuja capa era quase idêntica à essa.
A genet TODO o dia pegava esse lviro e ficava fazendo piadinha com a capa.

Detalhe: nenhum de nós JAMAIS leu o livro, locou o livro nem sequer o folhou.

Huaheuahea é tão bom ter sido uma criança babaca um dia.
{:^}>

11:59 PM  

Postar um comentário

<< Home