sábado, junho 03, 2006

Guia para Fugir do Marasmo 03


Terceira Parada- Cantiga de Ninar- Chuck Palahniuk

Chuck Palahniuk não escreve livros, escreve tijoladas nos testículos dos leitores (metáfora sutil, elegante e refinada by Ochôa, obrigado).
Palahniuk consegue algo único hoje em dia, seus livros despertam reações, incomodam, faz você sentir.
Incomoda. Esta é talvez, junto com genialidade, a palavra-chave.

Seus textos sempre partem de propostas delirantes, expondo através de uma sensação incômoda e brutal que permeia todas as páginas, a esterilidade de nossa cultura e a desumanização promovida pela nossa sociedade.
Francamente? Uma tijolada no saco (metáfora, sutil, elegante e refinada by Ochôa, obrigado).

Cantiga de Ninar, é a história de uma cantiga de ninar que mata crianças. Falando apenas isto, pode até não parecer grande coisa, mas o livro é bem mais que isto.
Junte a este ponto de partida repórteres assassinos em massa, corretoras de imóveis mal-assombrados, jovens bruxas wicca, o impagável terrorista cultural Ostra, estupradores de cadáveres, e vai ter uma boa idéia do que o livro é.

Através dos tipos mais insólitos e com sua narrativa única, incômoda e brutal, Palahniuk expõe nossas vísceras, nosso sistema distorcido de existência. Acredite, não é fácil e requer estômago.
É impossível ficar indiferente aos livros dele. Mais do que recomendadíssimo.
Vale a pena lembrar, é o mesmo autor do livro que deu origem ao filme Clube da Luta, o que por si só já diz muita coisa.

Trecho antológico:
"As luvas de brancas de Helen estão enegrecidas de poeira.
Ela diz que rasgou a página da cantiga de poda e jogou-a pela janela do quarto da criança. Está chovendo. O papel vai apodrecer.
Digo que isto não basta. Algum garoto pode achar a folha. O simples fato de a página ter sido rasgada já fará alguém querer juntar os pedaços. Algum detetive investigando a morte de uma criança, talvez.
E Helen comenta: - O banheiro parecia um pesadelo.
Damos a volta ao quarteirão e estacionamos. Mona está rabiscando no banco traseiro. Ostra está ao telefone.
Helen aguarda enquanto me abaixo e volto à casa. Vou me esgueirando pelos cantos, com o gramado molhado prendendo meus sapatos, até chegar embaixo da janela que Helen diz ser a do quarto das crianças. A janela ainda está aberta, com um pedaço das cortinas caída para fora sobre o peitoril. Cortinas cor-de-rosa.
Os pedacinhos rasgados da página estão espalhados pela lama e começo a apanhá-los.
Por trás das cortinas, no quarto vazio, ouço uma porta se abrir. Um vulto se aproxima, vindo do corredor, e me agacho na lama sob a janela. A mão do homem pousa no peitoril, de modo que me achato de encontro à casa.
Num ponto acima de mim que não consigo enxergar, um homem começa a chorar.
Começa a chover mais forte.
O homem fica parado junto à janela, inclinado com ambas as mãos sobre o peitoril. Soluça com mais força. Dá até para sentir o bafo de cerveja.
Não posso correr. Não posso me levantar. Com as mãos tapando o nariz e a boca, vou me esgueirando lentamente, bem junto aos alicerces da casa. E com a rapidez de um calafrio, respirando por entre os dedos, também começo a chorar. Com soluços que mais parecem de vômito. Sinto câimbras na barriga. Com os dentes mordendo as palmas, sinto o catarro respingar nas minhas mãos.
O homem dá uma fungada forte e borbulhante. Está chovendo mais e a água encharca meus sapatos por entre os cordões.
Com os pedaços rasgados do poema nas mãos, detenho o poder da vida e morte. Mas não posso fazer coisa alguma. Ainda não.
E talvez a gente não vá para o inferno pelas coisas que faz. Talvez a gente vá para o inferno pelas coisas que não faz.
Com os sapatos cheios de água fria, meu pé pára de doer. Com a mão escorregadia de catarro e lágrimas, desligo meu bipe.
Quando encontrarmos o grimoire, se houver um meio de ressuscitar os mortos, talvez nem queimemos a coisa.
Pelo menos começo."

Fábio Ochôa

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Obrigado pela dica do livro, Fábio! Li de uma tacada só!

Perturbador...

2:59 PM  
Blogger Fábio Ochôa said...

Espero que tenha gostado.
Descobri um outro livro dele (não sei o nome) sobre um sujeito que sequestra um avião para se jogar com ele em cima das Cordilheiras e durante todo o processo vai narrando sua vida e o porque desta decisão para a Caixa Preta do avião.
É outro que vou tentar comprar...

7:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

Me avise qdo descobrir o título!

11:25 PM  

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