sábado, junho 03, 2006

O Dia que Ela Morreu


Eu tinha 7 anos de idade quando fui apresentado ao conceito de morte.

Não vou ser cínico, na minha vida, sempre pude ser considerado um sujeito de sorte em muitos aspectos, nunca perdi ninguém muito próximo a mim.
Portanto, posso imaginar e entender em nível racional o que é a perda, mas se eu dissesse que sei o que é isto, estaria mentindo.

Eu era uma criança um tanto estranha, reconheço hoje. Que pensava demais em coisas que as crianças usualmente não pensam... o que existe depois da morte? E se houvesse a guerra nuclear e nada mais restasse, qual o sentido de tudo isto? Existem extraterrestres? Eles tem alma?
Não era pra menos que uma criança assim só pudesse virar um contador de histórias quando adulto.
Quanto mais eu crescia, mais as dúvidas perdiam a importância. Valiam na hora de contar histórias, mas não ocupavam espaço na vida pessoal. Perdi o interesse como pessoa, pelo que existe do "outro lado", bem, todos caminhamos para lá, então, cedo ou tarde irei acabar descobrindo mesmo...
Seguindo esta lógica tratei de me ocupar de viver.
Crescer é virar pragmático.

Mas voltando ao meu primeiro encontro com a morte.

Eu tinha 7 anos de idade quando caiu nas minhas mãos Superpowers 05, com a morte da Supermoça. Havia já algum tempo que eu era um leitor voraz de heróis, mas esta edição foi especial.
Nela, Supermoça (personagem até então, tão importante e relevante para mim quanto o pneu traseiro do Batmóvel) após várias páginas de combate heróico e num gesto de auto-sacrifício encontrava a morte nas mãos do Anti-Monitor (eu sei, o nome do vilão é patético, esta saga, Crise nas Infinitas Terras, é uma longa história que todo nerd conhece, e todo não-nerd não deve estar nem aí pra ela, portanto lhes pouparei de contá-la), bom, o fato é... ela morria.

Obviamente, como toda criança, já possuía alguma noção vaga do que era a morte –assim como o sexo, era o assunto proibido dos adultos- mas neste gibi, pela primeira vez eu era apresentado à noção humana de morte para os que aqui ficam, o vazio irreparável que ela deixa, a perda brutal e inesperada, o imutável.
A mensagem das páginas finais era bem clara: Supermoça havia se ido, alguém querido e amado por alguém e poder nenhum poderia traze-la de volta.
Havia acabado. E para os que ficavam só restava arcar com o peso da despedida, o peso do nunca mais.
Claro que não havia racionalizado tudo desta maneira na época. Mas havia compreendido tudo isto em um nível emocional, subliminar.

Dali ficou uma imagem que sempre me vem à mente, pra mim quase um símbolo do significado humano da morte: O grito mudo de Superman enquanto segura o corpo da prima em seus braços, acho que imagem algumanos quadrinhos traduziu tão bem o desespero da perda, a impotência, a incapacidade de mudar o destino, o dolorido foi, existiu, nunca mais teremos de volta.
Qualquer palavra ou balão arruinaria completamente a cena. É a imagem que fala por mil palavras.

Depois disto, houve dezenas, centenas de filmes, jogos e quadrinhos que banalizavam a morte, à reduzindo à um mero ritual mecânico nas tramas, mas com este gibi, nos recessos da minha aprendia uma coisa muito importante: Toda morte é sentida por alguém, toda vida, em algum momento, é importante para alguém.

E ao pensar nisto tudo, uma frase anônima que li certa vez me vem à memória: A arte serve como batedora para a vida, nos concedendo experiências antes que elas cheguem até nós.

Fábio Ochôa

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Essa história não é tão marcante pra mim qto a morte de Gwen Stacy, mas é igualmente impactante.

Qdo Gwen Stacy morreu, num dos primeiros gibis que li em minha vida, descobri que os meus heróis dos desenhos animados fracassavam e, em certas situações, não havia nada que pudesse ser feito.

Heróis humanos, com perdas, decepções e derrotas humanas.

2:55 PM  
Anonymous Anônimo said...

Muito legal o texto, Fábio.
Lembro que passei por uma experiência mais ou menos parecida, quando li a graphic novel da morte do Capitão Marvel. Lembro que era de madrugada e eu estava lendo esta HQ... quando o personagem finalmente sucumbiu ao câncer, percebi que, ao terminar de ler, estava com lágrimas em meus olhos. Parece besteira, mas é que, de certa forma, acabei entrando para aquela HQ! Foi bem legal!!!
Abraço!

Lorde Lobo

PS: Já tá sabendo que a Areia Hostil ganhou o HQ Mix de melhor Prozine?!

4:01 PM  
Blogger Fábio Ochôa said...

Eu quase usei esta história que para mim foi marcante, ainda que num grau menos.
Curiosamente, outras mortes que também marcaram minha infância foram a do Flash (só depois de adulto compreendi como era triste morrer sem ser pranteado, morrer sozinho ainda que de maneira nobre, sem ninguém saber o seu destino) e a do Capitão Marvel (herói morrendo de câncer dói na alma).
Mas a morte de Gwen sempre me vêm à mente a excelente recriação do Alex Ross no Marvels.
Aliás, não por acaso que a mini justamente termina quando um dos heróis "falha".
Foi o fim de uma era de ouro.
O fim de uma era de maravilhas.
E não por acaso também que "O dia em que ela morreu" é justamente o nome deste capítulo de Marvels.

Abraços, genial Kuk

6:43 PM  
Blogger Fábio Ochôa said...

Valeu Lobo!
A morte do Capitão Marvel a mim também foi marcante, principalmente, porque cerca de dois anos depois, eu viria a acompanhar o falecimento gradual de um tio meu, nas mesmas condições mostradas pela história.
Ela mais que chocou que marcou, ao mostrar aquela morte inglória e injusta, a mesma pela qual milhares de pessoas passam no dia-a-dia.
De novo, é a arte como batedora e a arte expiando fantasmas.
Curiosamente, o Jim Starlin fez ela após perder o pai da mesma maneira, como um meio de eliminar todos os maus sentimentos que estava guardando, prender aquela dor no papel.

Abraços e parabéns pelo prêmio, quem vê vocês lutando nos últimos 3 anos (eu poderia esticar este tempo para uns sete anos, me lembro bem da formatura que vocês foram convidados) bem sabe que vocês merecem!

6:51 PM  

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