terça-feira, maio 27, 2008

A Fábrica

- Nosso turno de trabalho é do meio-dia à meia-noite.
Ele falou, brincando distraidamente com a caneta luxuosa entre os dedos, listando os infortúnios como se eles fossem regras absolutas, não exceções.
- Nossos fornos ambiente fazem 45 graus centígrados. - Ele continuou, seguro e convicto na escuridão de sua sala, “não é trabalho para os fracos”, sorriu quando complementou.
Concordei com a cabeça, com vago orgulho. Paciente.
- E a única vaga que dispomos no momento é carregar as válvulas. De 60 quilos cada uma.
- E não pagamos salário. Ou seja ...- só então olhou para mim, pela primeira vez. -Você teria que ser louco para trabalhar aqui. Doido de pedra, entendeu? – sorriu de novo. O mesmo sorriso sarcástico e enigmático.
Então, dito tudo isto, se recostou na cadeira e ficou em silêncio, estudando a reação que suas palavras, jogadas no ar, teriam.
Ele mostrava um óbvio gosto por este papel, estava estampado na segurança de sua pose, na posição relaxada de seus ombros. Quantas vezes já havia protagonizado esta cena?
No entanto, a pergunta ainda estava no ar e então ponderei.
Pensei em tudo que existia lá fora.
Nas ruas onde ninguém me conhecia.
Na casa onde ninguém me esperava.
Eu já sabia a resposta.
Apontei para meu olho esquerdo.
- Está vendo este olho?
Ele fez que sim com a cabeça. Pareceu genuinamente interessado. Tapei meu olho perfeito com a palma da mão.
- Eu não tenho olho esquerdo.
Ele riu bastante e me alcançou um charuto. Um momento de humanidade, “bem vindo à fábrica”, me disse, “louco de pedra”, acendeu o charuto, “doido do telecoteco”.
E me senti feliz por isso.
Antes de nos despedirmos, esticou a mão pedindo todos meus documentos, por favor. Os alcancei a ele.
E quando sai da sala, ele abriu a pequena portinhola que dava para a lareira, não fiquei para ver ele incinerar tudo o que eu era.
Aquele foi meu primeiro dia na fábrica.

A fábrica.
Era como o inferno.
O trabalho árduo, a temperatura insuportável, a comida péssima e a companhia ótima.
Ali, em um ambiente escuro e sufocado, trabalhávamos, orientados pelas luzes das fornalhas onde tudo era consumido e reconstruído à partir do fogo, derretendo e fundindo peças de outras vidas e outras pessoas, lixo descartado e jogado até nós, cadeiras, metal, antigas fotos, tudo que os depósitos traziam, tudo que era abandonado, tudo isso era nossa matéria-prima.
O primeiro processo era derreter tudo, era necessária atenção para manter todos os fogos acesos.
O segundo processo era fundir tudo em outras formas, formando engrenagens complexas, de beleza quase abstrata, tudo que era construído à partir dali, chamávamos de Máquina.
Tudo era destinado à Máquina. A grande Máquina sem começo nem fim, feita de restos, cujo propósito e utilidade nenhum de nós conhecia. Nosso papel era aquele: construir a Máquina. Nosso propósito, nosso porquê na vida.
O terceiro processo: ao fim de cada dia, exauridos e purificados, parar e admirar a Máquina.
E então, pegar as marretas e picaretas e destruir totalmente ela.

E assim a vida passava ali dentro.
Ali os homens se confundiam com as paredes e as sombras, sendo impossível de saber onde começava um e terminava outro. Ali, nossa própria hierarquia e nossa própria missão inútil de destruir e reconstruir a cada dia, era tudo.
Era nossa existência, sem pensamentos, sem dores, sem preocupações.
Apenas a pureza epifânica dos corpos se movendo até a exaustão.
Às vezes nevava entre a fuligem, neve que entrava pelas janelas abertas, flocos negros como carvão.
Era bonito.
E então eu voltava ao fogo que consumia a tudo como carvão.
Sem pensamentos.
Sem tormentos.
Sem dores.

Foi num dos dias que Augusto simplesmente enlouqueceu.
Algo quebrou, algo fez crás, blim, e crac dentro dele. Deixando ele maluco da silva. Doido do telecoteco.
Ele soltou as válvulas que carregava, barulhentamente elas rolaram pelo chão, alguns se esquivaram delas.
Ele ficou parado, ficou olhando o fogo um tempo imenso.
E então falou.
“É loucura” gritou.
“Isso não vale nada”
“Não tem porquê. Nenhum! Estamos jogando fora nossas vidas! Aqui dentro!”
Era óbvio que era loucura, idiota, óbvio! O que mais os loucos fazem? Seria possível ele ser louco a ponto de não ver isso?
- Loucos! Loucos! Vocês não vêem? – seguia ele gritando e chutando os pedaços da Máquina.
- Isto não serve para nada!
Os homens seguiam, levando material para fornalha, derretendo, moldando, fazendo.
- Lixo! Só lixo. Inútil!
Era claro que víamos.
Alguns –mais sensíveis- se incomodaram com estas constatações.
Ainda bem que Pedro agiu rápido, sabe-se lá o que poderia ter acontecido se ele não interferisse.
Alguns até poderiam –temo eu- terem ficado... Sãos.
Pedro apanhou a picareta.
Veio por trás de Augusto.
Bastou um golpe certeiro na nuca, para ele parar de falar. Seu corpo grande caiu ao chão, retorcendo-se curiosamente, trêmulo.
Pedro retirou a picareta com dificuldade do crânio, ela havia sido bem cravada,
Mais dois golpes e todos os movimentos cessaram.
Muitos homens já estavam parados vendo a cena.
Ajudei a erguer o corpo.
E ele foi para a fogueira no interior da máquina.
Nada era desperdiçado.
Tudo ia para a Máquina.
Tudo servia à Máquina.
O trabalho recomeçou.
E a vida seguiu como sempre.

No entanto, passou algumas noites e constatei que o que ele me disse me fez pensar. E isso era ruim. Muito ruim.
Incomodava.
Dava dor. Dor na alma. Ruim.
Éramos loucos. É, eu sei.
Mas tão loucos quanto as pessoas normais, que corriam, corriam para nada alcançar lá fora de nossas paredes. Não éramos diferentes, eles também construíam suas Máquinas a cada dia, para em seguida às destruírem, apenas davam outros nomes para ela.
Apenas não sabiam que suas Máquinas eram Máquinas.
Se existia alguma vantagem na loucura honesta que tínhamos aqui dentro, era esta.
Ela nada exigia.
Ela apenas aceitava.
Lá fora as pessoas continuavam, dia após dia pensando nas prestações que vão vencer, no sexo burocrático a esperar no fim do dia, sonhando em pequenos momentos no que poderiam ter feito e nunca fizeram. E a vida passa e a morte se aproxima, dia após dia e um dia ela as alcança e isso e tudo.
Aqui nós temos a Máquina. Construímos a Máquina, destruímos a Máquina e no dia seguinte construímos de novo e destruímos de novo e isso nos basta.
Sem nada mais para pensar.
Passo o dedo na minha testa e noto que há fuligem no meu rosto.
E neva lá fora quando o sono vem.
E por algum motivo qualquer, minha pequena alma dormente se sente loucamente feliz por isso.

Fábio Ochôa

Raul Aranha

Desenho feito especialmente para o aniversário do Raul.
Ele é o cidadão embaixo do sovaco aracnídeo.

Fábio Ochôa

domingo, maio 25, 2008

Jimmy Cuttlas

Antônio Armagedon, apesar do pseudônimo, é um dos melhores escritores com quem pude conversar, interagir e trocar idéias.
Gosto dos textos dele há bastante tempo, mais ou menos uns 4, 5 anos, segundo meus cálculos precários e a horas a bola de escrevermos algo em conjunto está rolando, temos um estilo semelhante, influências semelhantes e um saudável gosto pelo esquisito, bizarro e não-usual.

Alguns ensaios foram feitos neste sentido, um livro infantil bastante esquisito, um site de contos fechados, uma passagem pelos Defensores, mas a vida e as circunstâncias (sempre elas) acabava levando um pra cada lado.
Pois bem, a pouco tempo, Antônio passou por uma encrenca braba de saúde, e quando digo braba, quero dizer BRABA mesmo, retomamos contato, arregaçamos as mangas e decidimos de uma vez por todas fazer nosso tão adiado projeto juntos, o que seria é o de menos, sabíamos que com duas mentes tão bizarras juntas algo iria tomar forma logo, logo.
A única obrigação era que fosse o que fosse, deveria ser divertido de ler e escrever.

O livro Não há Descanso para Jimmy Cuttlas, surgiu disto, um faroeste com direito à homuncúlos bêbados, monstros do Mississipi, astronautas russos, xamãs mortos que se recusam a serem enterrados, balneáreos assombrados por criaturas antidiluvianas e três pistoleiros que vagam em camelos pelo oeste, se orientando pelas estrelas para matar um salvador.

Divertido de ler e de fazer, acreditem em mim.
Do personagem principal fiz a ilustração acima.

Fábio Ochôa

quarta-feira, maio 21, 2008

Propaganda




Exemplos de trabalhos feitos na agência. Texto e criação minha.
Fazia tempos que não postava nada dela aqui.

Fábio Ochôa

terça-feira, maio 20, 2008

E Mais Dois Trabalhos



Ilustrações avulsas.

Fábio Ochôa

Restos Pedagógicos


2 páginas de quadrinhos pedagógicos nunca utilizadas. Foram vetadas por um número de páginas que repentimente encolheu.
Estão cruas, foram deletadas do projeto antes que eu finalizasse elas (eu sempre começo a desenhar antes de ter o ok definitivo dos projetos, é um dos defeitos que mantenho).

Acho elas engraçadas, são de 2001.

Uma odisséia no espaço.

Fábio Ochôa

O Direito ao Mau Gosto

Uma das coisas que nunca pensei que um dia iria defender, é o direito de cada um exercer o seu mau gosto, pois é, a vida dá voltas...

Atualmente em qualquer conversa, uma das coisas mais chatas é a infinidade de opiniões querendo se sobrepor umas às outras, sintoma de épocas internéticas, onde de uma hora para outra todo mundo virou expert em tudo.

Nada contra experts, mas é um tal de todo mundo tentar lhe convencer que fulano é um bosta e deltrano é gênio, é cicrano é Deus, e quem pensa o contrário é um idiota, e é também tanta opinião influenciando antes que a gente veja qualquer coisa, que é dificílimo não seguir a onda e gostarmos de algo por nós mesmos.
Tá, mas onde é que entra o tal do mau gosto citado no título, nisto tudo? Bem, vamos ver um exemplo hipotético... E que tal o mundialmente malhado Paulo Coelho?

O nosso mago imortal e picareta é praticamente execrado –com provável justa causa- em qualquer conversa literária, pela pobreza franciscana de seus textos. O número de pessoas que apontam seus defeitos, chega a ser proporcional ao e ao número de pessoas que conheço que leram (e olha que são os únicos livros que leram na vida) e gostaram.

A principal questão é: Estão erradas em gostar? Ou em até mesmo em tirar alguma lição daquilo tudo, por mais rasa que seja? Existe alguma regra absoluta sobre o que as pessoas devem gostar ou desgostar? E onde é que entra o tal do livre-arbítrio nesta história toda?
A própria fronteira do bom e do mal gosto costuma oscilar de época para época. Jim Morrisson já foi considerado um gênio das letras, hoje, cada vez mais é considerado um bêbado de botequim por muitos fãs de rock.

Outro exemplo: não gosto do Led Zepellin. É uma baita banda e são ótimos no que fazem, isto não vou poder nunca negar, assim como não posso negar que simplesmente não gosto do som deles. Adoro ver Blade 2, acho um puta filme e me diverti pra cacete vendo Quarteto Fantástico 1 e 2, são filmes ruins? São. Posso escrever 50 páginas só detalhando os defeitos de cada um deles, mas o fato é... Me diverti vendo eles e realmente gostei de ambos. Ponto final. É meu direito.

Jamais vou escrever loas querendo justificar que gostei por causa disto e daquilo e que na verdade a caça ao vampiro é uma metáfora da intransigência da sociedade contra o blá, blá, blá... ou esconder sob o prisma do gosto-porque-é-trash-e-não-deve-ser-levado-a-sério, besteira, gosto mesmo e não é porque é trash.
Entra aí o tal do direito ao mau gosto.

Todo mundo tem uma opinião, e às vezes ela é uma coisa que não faz necessariamente lá muito sentido.

Fábio Ochôa

segunda-feira, maio 19, 2008

Frank Frazetta 05



domingo, maio 18, 2008

Frank Frazetta 04





Frank Frazetta 03





Todo mundo já sabe que acho o trabalho dele espetacular.
Mais coisas do Frazetta.

Fábio Ochôa