segunda-feira, dezembro 11, 2006

Amarcord

Eu me recordo.
Amarcord.

Uma das cenas. Porto Alegre. A cineasta abre a porta do apartamento. Grande, luxuoso. Um estilo um tanto quanto excêntrico.
Era a primeira vez que passava por aquilo. Estava mais ansioso e nervoso do que demonstrava, fiz o que faço de melhor nestas ocasiões... ficar quieto e só falar quando estritamente necessário, se eu me confundisse com a parede, melhor.
A conversa segue. Ela pergunta se fui eu o autor do roteiro em questão. Silêncio na mesa.
Digo que sim, fui.
Pergunta se eu adaptei ele de algum lugar, digo que não.
"tú é dos bons", ela apenas responde.
E segue a conversa. Deixou no ar o elogio casual e sincero.
Eu ganho o dia.

Um dia sem nada para fazer, sentado no banco de uma praça lendo algo recém-comprado.
Uma rara sensação de calma e tempo congelado.
Sozinho naquela coisa que chamamos de paz.
Eu me lembro.

Uma redação de 5 páginas no primário, o professor surpreso perguntando se fui eu que havia criado aquilo. Disse que não, apesar de ter. Falei que havia copiado de um livro.
Nunca soube por que falei aquilo, só me pareceu pecado mortal assumir a autoria.
Um dos microcasos insondáveis que fizeram minha infância.
Eu me lembro.
Amarcord.

Minha mãe contando sobre eu ficar na janela, na infância, longas horas parado fitando nada, pensando comigo mesmo.
Uma criança sempre quieta e apática.

Amarcord.

Fábio Ochôa

Vidiota

Não sei se a percepção errônea é um fenômeno universal ou se realmente sou eu o craque universal dela. O Pelé dos mal-entendidos. O rei do bad timing. O tipo de coisa que me dá vontade de fazer as malas, abandonar a humanidade e me mudar para Bornéu.
Só não faço isso por que Bornéu é longe pra cacaio e viver na selva comendo tapioca e tirando pulga de macaco ia dar muito trabalho para este corpo preguiçoso...

Nunca liguei lá muito para o que fossem pensar de mim, sempre fiz questão de pautar minha vida pelo o que eu quisesse sem se importar com expectativas a meu respeito, hoje, acho que levei este conceito um pouco longe demais...
Não faço a menor idéia de como as outras pessoas me percebem, metade das minhas surpresas em vida vem daí, para bem e para mal.
Constantemente descubro que me consideram bem mais do que imaginava, ou bem menos. Falo mal e faço ironia em cima desta falta de visão, mas metade da graça da vida deve vir daí.

Ando negociando com hollywood a minha biografia.
Vai se chamar "Muito Além do Jardim 2".
Espero que o Keanu Reeves tope fazer o meu papel.

Fábio Ochôa

Fases







Aqui vocês vêem três versões de um mesmo desenho, produzido para um comercial de uma escola infantil.
Ralamos um pouco até acharmos a menininha ideal. Coisas da vida.

Basicamente, é um comercial de 15 segundos, com quase 24 desenhos que me consumiram 3 dias de trabalho até chegarmos no resultado ideal (ou o mais próximo de) em um tempo mínimo.
Nunca, nunca fale mal do trabalho dos outros. Por trás de cada peça existe uma mão de obra inimaginável.
Isto tive que aprender à duras penas.

Fábio Ochôa

Admirável Mundo Novo

Abro uma Vip e lá está, página inteira de resenhas sobre quadrinhos, abro uma Rolling Stone... também, Playboy...idem.
Nenhum Pow! Blam! Záz!
Os quadrinhos cresceram e apareceram.
Que estranho.

Fábio Ochôa

New Frontier



Nova Fronteira foi uma das gratas surpresas que as bancas me reservaram este ano.
Uma trama repleta de nuances políticas, onde o ontem e o hoje convivem em harmonia, os ideais de antigamente em heróis com barros nos pés.

Nova Fronteira é algo raro: uma trama madura de super-heróis, sem o pessimismo cabeça dos autores ingleses. Não condena com cinismo o ideal heróico, ao contrário: o reesalta como algo nescessário.
O adulto em mim gostou. A criança, também.

Outro destaque da edição é o traço bonito de Darwin Cooke, limpo, dinâmico, juntamente com o acabamento gráfico caprichado da Panini (também, com o preço que eles cobraram...)

A complexidade da história me lembra um romance, um romance sobre pessoas fantasiadas e com poderes. Não deixa de ser um tanto quanto curioso tudo isto.
Os quadrinhos pop finalmente alcançaram a complexidade nescessária.

O que aliás me deixa perguntando... para quem Cooke escreve estas coisas ótimas?
Para pessoas que nem eu? Ao mesmo tempo adultos que não cresceram ainda e crianças que descobriram os livros e a história cedo demais?

Fábio Ochôa

Boa Noite, Boa Sorte



Tem filmes que se expandem para além de si mesmos.
Boa Noite, Boa Sorte é um deles.

Após o apagar das luzes da sessão, o filme parmanece na cabeça, lavantando questões que eu havia deixado de lado há muito tempo.
E que de repente se mostram muito importantes e pertinentes.

1 hora e 27 minutos de cinema em preto-e-branco mostrando uma história real de ética e integridade jornalística.

Fica os sinceros parabéns a George Clooney que tem mostrado cada vez mais ser um diretor surpreendente e maduro, aqui agindo também como roteirista.
Boa Noite, Boa Sorte é um filme típico de um veterano, não de um diretor de apenas um filme, o igualmente ótimo Confissões de uma Mente Perigosa.

Talvez fosse melhor dedicar meu tempo em histórias mais relevantes.
Talvez.
É, sr. Clooney você me deu algo em que pensar.

Fábio Ochôa

sábado, dezembro 09, 2006

O Genial Kyle Baker




Falar que não tem mais nada de bom ou original hoje em dia, bater de ombros e aceitar a mesmice é fácil.
Difícil é olhar para o lado e ver o que anda saindo por aí.
Sempre existiu e sempre existirão artistas com algo novo a dizer e com uma qualidade anos-luz à frente de seus contemporâneos.
Kyle Barker, felizmente, é um deles.
E espero que ele seja reconhecido como o gênio que é ainda em vida e não 100 anos após sua morte, como é mais usual.

Ele produziu alguns dos melhores quadrinhos dos últimos 10 anos, versátil como o diabo, tudo que ele faz tem aquele gosto um tanto estranho e exótico, que precisa de pelo menos umas duas leituras para começar a ser absorvido.
Instigante, no mínimo.

Me lembro quando conheci seu trabalho como desenhista em O Sombra (há muito, muito tempo atrás), era algo tão fora dos padrões - e estamos falando de um título cujos desenhistas anteriores haviam sido Howard Chaykin e Bill Sienckiewicz- que fiquei na dúvida se aquele material era MUITO bom ou MUITO ruim.
É aquele tipo de coisa que te deixa meio sem teto para julgar.
Depois, como sempre acontece nestes casos, a dúvida começa a virar admiração. Curiosamente foi mais ou menos a mesma reação gradual que tive aos trabalhos de Chaykin e Sienckiewicz, hoje eu adoro os dois. American Flagg e Elektra Assassina estão entre meus quadrinhos eternos.

Depois lí dele Justiça Ltda, sem exagero uma das melhores e mais subestimadas hq´s dos anos 80, fica aí minha recomendação, se você puder, leia.
Uma história pra lá de boa com um acabamento gráfico requintadíssimo.

Infelizmente, Baker tem pilhas de álbuns autorais publicados no exterior, mas nenhum deles veio para cá, uma de suas últimas obras foi Plastic Man (Homem-Borracha, eu acho, aquele dos óculos, estes caras que se esticam tem todos nomes parecidos), tive a chance de ler alguma coisa e é simplesmente imperdível.

Se alguém quiser convencer a Panini a publicar o título por aqui, eu não acharia má idéia.

Fábio Ochôa

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Beat Generation

Influências são coisas estranhas, elas surgem de onde menos esperamos.

Tenho, particularmente algumas influências um tanto quanto exóticas nas coisas que faço, algumas nem mesmo fáceis de identificar.Algumas das minhas influências vêm dos autores beats, o que chega a ser curioso, uma vez que não gosto da maioria dos livros deles e para ser franco, não entendi porra nenhuma do que alguns deles falaram.
Ainda assim eles foram uma grande influência no modo de pensar não só o que escrevo, mas tudo em geral.

Os beats com suas margens de acertos e erros, buscaram uma vivência e arte mais autêntica, não tão presa ao convencionalismo dos costumes sociais, mais de acordo com os anseios íntimos de cada um (isso ficou parecendo papo de revista Contigo), obviamente, com seus consumos abusivos de drogas, sexo livre e crimes a rodo, incluindo a morte acidental da mulher de William Burroughs (ela brincava com o marido de colocar um copo na cabeça e ele com um disparo de pistola quebrar o copo...bem, um dia ele errou), entraram em choque direto com a sociedade da época.
No entanto, o ideal beat de um modo de vida sincero consigo mesmo era válido na américa pós-guerra fragmentada pela revelação da bomba atômica, assim como segue sendo válido até hoje.

Pense em qualquer movimento transgressor dos últimos 50 anos, seja a era hippie, o movimento punk, o nilismo grunge, a new wave... em um grau maior ou menor, todos encontram suas raízes na ruptura beat cinquentista.

Destas figuraças, um dos que sempre achei dos mais fascinante foi William Burroughs, dele eu lí O Almoço Nú - e não entendí simplesmente uma única palavra, apesar de sabe-Deus-por-que-motivo me manter interessado até a última página do livro.
Seu inferno junkie inspirou Mistérios e Paixões do David Cronenberg, vale a pena ser visto.
Recentemente comprei dele "the cat inside" (esqueci o nome em português). Não lí ainda.

Jack Kerouac fez o clássico Pé-na-Estrada, dos beats foi o menos ousado estilisticamente falando, sendo portanto, mais acessível ao público em geral... reparem que eu disse apenas "estilisticamente", mantendo o caráter barra-pesada e libertário de suas histórias autobiográficas.
Se aproximando às vezes de um Ernest Hemingway às avessas.
Recomendável. Muito recomendável.
Morreu de cirrose, se não me engano, vagando louco por um trilho de trem.Um final estranhamente de acordo com sua vida.

Allen Ginsberg é um caso à parte.
Seu livro de poemas "Uivo" (recentemente lançado pela L&PM) é obrigatório.

Para quem quiser se inteirar mais sobre a vida desta turma da pesada, tem um filme cujo nome em inglês é The Beat que narra os primeiros anos de desventuras deles, se alguém sabe o nome em português ou já assistiu, me informem, por favor!

Abraços

Fábio Ochôa