A árvore cresceu ao longo dos anos em meu quarto sem eu perceber.
Foi um crescimento caótico e desatento da minha parte. De maneira alguma estudado e estruturado, sempre tive noção da sua existência, embora nunca tivesse me dedicado a estudar seu crescimento ou mesmo lançar um eventual olhar crítico à ela.
Seu tronco alternava o branco e o amarelo, era formado por milhares de páginas, seus frutos eram histórias. Frutos de sabores diversificados e universais: havia o doce constrangedor, alegria eufórica e levemente maluca, melancolia pedante adolescente, aspiração juvenil... e havia –como em toda árvore que se preze- suas folhas.
Todas elas, cada folha, repleta de tinta, desenhos e caracteres, palavras e sentenças.
A árvore cresceu demais ao longo dos anos. Se empoleirava por cima do meu guarda-roupa, ameaçando desabar com seu peso e quebrar meu pescoço.
Um dia ocioso optei pelo mais sensato... baixar uma década de desenhos e textos desordenados de cima deste mesmo guarda-roupas e organizar todos eles.
Tarefa necessária, da qual eu me esquivava à anos.
A quantidade me surpreendeu. Eram cerca de 1.500 páginas de desenhos, ilustrações e quadrinhos produzidos e cerca de 1.200 páginas de manuscritos, formando histórias, resenhas, observações humanas, teorias artísticas...
Fábio David Ochôa, 1993-2006... era esta a pessoa que viveu, morreu e foi eternamente sepultada naquelas milhares de páginas.
De uma certa maneira, rever aquelas páginas depois de tantos anos é um estranho registro de duas vidas... das histórias da minha vida "civil" (e foram várias) e das histórias imaginárias que esta vida civil alimentava.
Através de cada história era possível puxar o fio da existência e saber que motivos levaram a contá-la.
Não sei quando exatamente quando começou esta minha obsessão particular com histórias, em contá-las e coletá-las. Não existe um ponto zero reconhecível, talvez seja algo que simplesmente sempre esteve escrito no meu código genético.
Se por um lado todas as sociedades humanas tiveram seus assassinos, elas também tiveram seus contadores de histórias. Há dois mil anos rabiscaria figuras na areia e grunhiria algo ao redor de uma fogueira, hoje desenho em árvores mortas e martelo as teclas de um computador. A despeito de tudo isso, a função primordial não mudou.
O papel ainda é o mesmo. A função desempenhada também.
Somos feitos de histórias. As histórias que as pessoas contam a nosso respeito são o que nos definem para elas.
Sob um certo ponto de vista a nossa própria vida é uma história.
Somos seis bilhões de histórias neste planeta. Milhares de primeiros capítulos nascendo a cada dia, centenas de livros tendo sua página digitada em carne e atos, em choros e risadas à cada dia.
Fora de nós não há histórias. Apenas a raça humana possui histórias.
Talvez por isso sejamos animais tão centrados e interessantes.
Eu conto histórias, é isto que me define. Corte minha pele e em vez de sangue sairá letras.
Palavras e sentenças escarlates a se acumular pelo chão.
Isto é o que fiz. O que sempre fiz.
Minhas idéias nunca paravam. Sempre fui arrebatado por elas. Frases e conclusões quem vêm à minha mente mais rápido do que possa escrever ou falar, se acumulando, empilhando-se umas às outras, surgindo e desaparecendo na mesma velocidade. Eu não me interesso pelas coisas e pessoas. Eu explodo nelas. Arremessando-me para mais direções do que poderia dar conta.
Tantas coisas. Tantos interesses. Vidas imaginadas.
Linhas digitadas ou desenhadas que corriam em tantas direções.
Ao mesmo tempo.
Fábio Ochôa